sábado, 28 de agosto de 2010

Uma Existência Vã - Joseph Alleine


Não seria uma pena se você não servisse para nada, se fosse um peso inútil sobre a Terra, uma simples verruga no corpo do universo? Entretanto, é isso que você é enquanto não convertido, pois não pode responder pela finalidade de sua existência. Não é para o prazer divino que você existe e foi criado? Deus não o fez para Si mesmo? Você é um ser humano e pode raciocinar? Então, pense como veio a existir e por que existe. Contemple a obra de Deus em seu corpo, e pergunte a si mesmo qual o propósito de Deus ao criar essa obra. Considere as nobres faculdades de sua alma nascida para o céu. Com que propósito Deus lhe outorgou essas qualidades superiores? Teria sido só para que você se deleitasse e satisfizesse seus sentimentos? Será que Deus pôs os homens neste mundo, apenas como andorinhas, para ajuntar gravetos e lama, construir seus ninhos, criar seus filhotes e depois partirem?

O próprio pagão poderia ver mais além. Será que é tão "terrível e maravilhosamente criado" e nem assim considera consigo mesmo: "Certamente, fui criado para algum nobre e elevado propósito"?

Ó homem, raciocine um pouquinho! Não é uma pena que tal obra divina tenha sido criada em vão? Verdadeiramente, sua existência é vã, a menos que você viva para Deus. Seria melhor que não existisse, se não viver para Ele. Quer corresponder ao propósito para o qual foi criado? Você precisa se arrepender e ser convertido; sem isso, não vai servir a propósito algum; na realidade servirá a um mau propósito.

Você é um inútil. O não-convertido é como um instrumento excelente que tem todas as cordas quebradas ou desafinadas. O Espírito do Deus vivo precisa consertá-lo e afiná-lo pela graça da regeneração e tocá-lo docemente pelo poder da graça atuante, caso contrário suas orações serão apenas uivos e todo o serviço que presta a Deus não encontrará eco nos ouvidos do Altíssimo. Todos os seus poderes e faculdades estão tão corrompidos em seu estado natural, que se não for purificado de suas obras mortas, não poderá servir ao Deus vivo. Um homem que não esteja santifiçado não pode realizar a obra de Deus.

(1)     Ele não tem habilidade para fazê-la. É tão completamente incapaz na obra quanto na palavra da justiça. Há grandes mistérios tanto na prática como nos princípios da santidade. Ora, o homem não regenerado desconhece os mistérios do reino do céu. Do mesmo modo que não se pode esperar boa leitura da parte daquele que nunca aprendeu as primeiras letras, ou a boa música do alaúde daquele que jamais pegou num instrumento, também não se pode esperar que o homem natural ofereça serviço algum agradável ao Senhor. Antes ele precisa ser ensinado por Deus (João 6:45); ensinado a orar (Lucas 11:1); ensinado a ser útil (Isaías 48:17); ensinado a ir (Oséias 11:3); senão ele estará completamente incapacitado.

(2)     Ele não tem forças para realizá-la. Quão frágil é o seu coração!   (Ezequiel 16:30).  Logo fica cansado.  Que  canseira  é o dia do Senhor!! (Malaquias 1:13). Ele está sem forças (Romanos 5:6), sim, está morto em pecados (Efésios 2:5).

(3)     Ele não tem vontade de fazer a obra de Deus. Não deseja ter o conhecimento dos caminhos de Deus (Jó 21:14). Não os conhece e não se importa em conhecê-los (Salmo 82:5). Ele não os conhece nem jamais os entenderá.

(4)     Ele não tem instrumentos nem materiais adequados para a obra. Da mesma forma que não se pode talhar o mármore sem ferramentas, nem pintar sem pincéis e tintas, nem construir sem materiais, não é possível realizar qualquer serviço agradável a Deus sem as graças do Espírito, que são tanto os materiais como os instrumentos de trabalho. A caridade não é um serviço a Deus, mas um ato de ostentação, a menos que brote do amor a Deus. O que é a oração dos lábios sem a graça no coração, senão uma carcaça sem vida? O que são todas as nossas confissões se não forem práticas de contrição piedosa e de arrependimento sincero? Que são nossas petições, se não forem animadas de desejos santos e de fé nos atributos e promessas de Deus? Que são nossos louvores e ações de graças, se não brotarem do amor de Deus e se não forem uma santa gratidão e um sentimento das misericórdias de Deus em nossos corações? Portanto, assim como não se pode esperar que as árvores falem ou que os mortos se movimentem, também não se pode esperar que o não-convertido apresente um serviço santo e agradável a Deus. Se a árvore é má, como pode dar bons frutos?

Da mesma forma, sem conversão você vive para um mau propósito. A alma não convertida é uma verdadeira gaiola de aves imundas (Apocalipse 18:2), um sepulcro cheio de corrupção e imundícia (Mateus 23:27), uma repugnante carcaça cheia de vermes rastejantes, que exalam um mau cheio muito nojento às narinas de Deus (Salmo 14:3). Oh, que situação terrível! Você ainda não percebeu que é necessário que haja uma mudança? Não nos teria entristecido ver os consagrados vasos de ouro do templo de Deus transformados em copos de bebidas alcoólicas e poluídos com o culto aos ídolos? (Daniel 5:2-3). Os judeus não consideraram uma terrível abominação quando Antíoco colocou a figura de um suíno na entrada do Templo? Quão mais abominável, então, teria sido se o próprio Templo fosse transformado num estábulo ou num chiqueiro e o Santo dos santos fosse servido como a casa de Baal! É exatamente este o caso do não-regenerado. Todos os seus mem¬bros estão transformados em instrumentos de injustiça, em servos de Satanás e, o mais íntimo de seu coração, em um receptáculo de impureza. Você pode ter idéia do tipo de convidados que estão dentro da casa, por aqueles que vêm para fora; pois, "do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias" (Mateus 15:19). Este bando negro mostra o inferno que há no interior.

Oh que abuso insuportável ver uma alma nascida para o céu humilhada a tal baixeza; ver a glória da criação de Deus, a principal obra de Deus, o Senhor desta Terra, comendo bolotas como o pródigo! Não foi lamentável ver aqueles que se alimentavam de delicadas iguarias, sentados desfalecidos nas ruas; e os preciosos filhos de Sião, comparáveis ao ouro puro, reputados como vasos de barro; e aqueles que estavam vestidos de carmesim, abraçando o estéreo? (Lamentações de Jeremias 4:2, 5). E não é muito mais terrível ver o único ser nesta terra que é dotado de imortalidade e que tem o sinete de Deus, tornar-se um vaso no qual não há prazer, destinado ao mais sórdido uso? Oh, que indignidade into¬lerável! Seria melhor que você fosse quebrado em mil pedaços do que continuar a ser rebaixado a um serviço tão vil.

2. Sem a conversão, não somente o homem é inútil, mas também toda a criação visível. Deus fez todas as criaturas visíveis no céu e na terra para servirem ao homem, e o homem é somente o porta-voz de todo o resto. O homem é, no mundo, o que a língua é para o corpo, isto é, fala por todos os membros. As outras criaturas não podem louvar seu Criador, a não ser através de sinais mudos e insinuações dirigidas ao homem, para que ele fale por elas. O homem é, como se fosse, o sumo-sacerdote da criação de Deus, para oferecer o sacrifício de louvor por todas as suas co-criaturas. O Senhor Deus espera um tributo de louvor de todas as Suas obras. Ora, todas as demais criaturas trazem os seus tributos ao homem e pagam esses tributos através das mãos dele. Então, se o homem é falso, infiel, egoísta, Deus é roubado por todas as criaturas e não recebe a glória ativa de nenhuma de Suas obras.
Oh que pensamento horrível! Imaginem, Deus criar um mundo como este, despender tão infinito poder, sabedoria e bondade, e no fim ser tudo em vão! Pensem no homem ser culpado, afinal, de roubar a Deus e de privá-lo da glória de tudo! Reflitam bem nisso. Enquanto alguém for um não-convertido, todos os préstimos das outras criaturas lhe são inúteis. Sua comida o alimenta inutilmente. O sol brilha para ele inutilmente. Suas roupas o aquecem em vão. Seu animal o carrega em vão. Em resumo, o incansável trabalho e o contínuo serviço de toda criação, são inúteis para ele. O serviço de todas as criaturas que trabalham arduamente e submetem toda a sua força ao homem, com a qual ele deveria servir o Criador delas, não passa de trabalho perdido. Por isso, "toda a criação geme" (Romanos 8:22) sob o abuso de homens profanos que pervertem todas as coisas, usando-as para satisfazer suas luxúrias, uso bastante contrário ao verdadeiro propósito da existência delas.

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