terça-feira, 11 de maio de 2010

Não Fale Antes de Ouvir - Steve Schlissel

É uma tolice termos pressa quando falamos sobre Deus. É por isso que o Dr. Bavinck, em seu notável livro The Doctrine of God, começa examinando a incompreensibilidade de Deus. Isso é mais do que "Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?" - "Quem é tu, ó homem, para sequer falares sobre Deus?". O temor de Deus, de acordo com Bavinck, deve ser o elemento que inspira e anima toda a investigação teológica.

Quando esse temor, pela graça de Deus, prepara o homem para abordar adequadamente seu mais santo assunto de pesquisa, ele descobre imediatamente que tem dificuldade de dizer algo sólido sobre Deus. Se Deus é incompreensível, como pode um homem sem ajuda aventurar-se a falar sobre ele? E até mesmo quando o homem diz que Deus é infinito, eterno e inatingível, ele não está dizendo realmente apenas o que Deus não é? Ele não pode ser medido pelo espaço, ele não está sujeito ao tempo e ele não muda
Mas como nós podemos afirmar até mesmo isso sobre Deus com certeza? Porque Deus se revela ao homem. Deus é o iniciador. Ninguém pode defini-lo, é verdade, mas também ninguém pode conhecê-lo a menos que ele se revele. "A religião e o conhecimento de Deus podem ter sua origem somente na revelação. Se Deus não se revela às suas criaturas, o conhecimento dele é evidentemente inalcançável".
Apesar disso, até mesmo quando Deus dá conhecimento de si mesmo ao homem,
O caráter e o grau desse conhecimento são muito peculiares e limitados, pois, embora Deus, em certa medida, torne-se manifesto à criatura, permanece nele uma plenitude infinita de poder e de vida que não se torna manifesta. Seu conhecimento e seu poder não são exauridos no universo, nem são demonstrados em sua totalidade. É até mesmo impossível para Deus revelar-se plenamente a e em suas criaturas, pois o finito não alcança o infinito. Ninguém conhece o Pai senão o Filho (Mt 11.27; cf. Dt 29.29). Além disso, aquilo que Deus revela sobre si mesmo em e por meio de suas criaturas é tão rico e tão profundo que nunca poderá ser plenamente conhecido por qualquer indivíduo humano. Em muitas áreas nós nem mesmo compreendemos o universo de seres criados, que tantas vezes nos confronta com enigmas e mistérios. Como, então, nós seremos capazes de entender a revelação de Deus em toda a sua riqueza e profundidade? Contudo, admitindo tudo isso, nós não queremos negar a cognoscibilidade de Deus. A incompreensibilidade de Deus, em vez de anular sua cognoscibilidade, a pressupõe e afirma. As inescrutáveis riquezas do Ser Divino constituem um elemento necessário e importante para o nosso conhecimento de Deus. Permanece o fato de que Deus pode ser conhecido por nós no sentido e no grau em que ele se revela a nós na criação.
E, é claro, em sua Palavra.
Mais adiante, Bavinck explica como os nomes pelos quais Deus se revela nas Escrituras o fazem conhecido a nós. Contudo, os nomes de Deus nos falam o que ele é em relação a nós, eles não podem nos dizer o que Deus é em si mesmo.
Os nomes de Deus... têm isso em comum. Todos eles são derivados da revelação de Deus. Não há um nome sequer que expresse o ser de Deus em si mesmo. O "nome revelado" é a base de todos os "nomes pelos quais nos dirigimos a Deus".
O conhecimento de Deus como ele é em si mesmo é possuído somente pelo próprio Deus. Para termos conhecimento exaustivo de como Deus é em si mesmo, nós tínhamos que ser Deus. "As coisas de Deus, ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus" (ICo 2.11). Esse é um "problema" para a busca do conhecimento de Deus que deve ser reconhecido e ao qual devemos nos submeter. Falhar em reconhecer esse problema fará com que a prática da teologia seja uma presunção vazia e um pecado. Qual é esse "problema"? Esse problema se refere à linguagem que Deus usa para se tornar conhecido ao homem. A instrução de Bavinck aqui é absolutamente vital, especialmente quando ela é colocada sobre a alegada relacionalidade de Deus, pois os defensores da teologia relacionai escolheram construir seu sistema apoiando-se pesadamente sobre um antropomorfismo, ou seja, o "arrependimento" de Deus, ou sua mudança de opinião. Mas Bavinck explica:
Onde quer que a revelação de Deus na natureza e na Escritura seja diretamente dirigida ao homem, Deus usa a linguagem humana para revelar-se e manifesta-se em formas humanas. Segue-se que a Escritura não meramente contém alguns antropomorfismos. Pelo contrário, toda a Escritura é antropomórfica. Do começo ao fim, a Escritura testifica de uma abordagem condescendente de Deus ao homem. Toda a revelação de Deus torna-se concentrada no Logos, que se tornou "carne". É como se a revelação fosse uma humanização, uma encarnação de Deus. Se Deus falasse conosco na língua divina, ninguém seria capaz de entendê-lo, mas, desde a criação, em graça condescendente, fala conosco e manifesta-se a nós à moda humana. Portanto, todos os nomes pelos quais ele nos permite dirigir-nos a ele são derivados de relações terrenas e humanas. Dessa forma, na Escritura ele é chamado de El, o Poderoso; El Shaddai, o Todo-Poderoso; YHWH, Aquele Que É; além disso, ele é chamado de Pai, Filho, Espírito, bom, misericordioso, santo, etc, expressões estas baseadas em relações humanas e aplicadas a Deus metaforicamente. Até mesmo os assim-chamados atributos incomunicáveis, isto é, imutabilidade, independência, unidade, eternidade, onipresença, etc, são derivados pela Escritura de formas e expressões que pertencem à existência finita, e, portanto, são expressos negativamente. Dessa forma, a eternidade precisa ser apresentada a nós como a negação do tempo. A Escritura nem mesmo tenta descrever essas perfeições divinas positivamente, isto é, sem indicar sua relação com a existência finita.
Agora eu peço que o leitor me perdoe por fazer uma longa citação de Bavinck. Dr. Bavinck faz com que seja claramente compreendido, com uma força rara-mente vista, que não somente alguma coisa daquilo que nós lemos, mas tudo o que lemos sobre Deus na Bíblia é comunicado em termos antropomórficos. Sigamos seu argumento e o consideremos, pois, quando essas verdades são aceitas, elas geram uma humildade que nos afasta das bobagens relacionais.

Mas a Escritura é ainda mais enfática em seu antropomorfismo. Tudo o que pertence ao homem, tudo o que pertence à criatura, é aplicado a Deus, especialmente "órgãos, membros, sensações, afeições humanas", etc Deus tem uma alma (Lv 26.11; Mt 12.28) e um Espírito (Gn 1.2, etc). Faz-se men¬ção ao corpo de Deus, e, embora, em Cristo, Deus tenha assumido um corpo humano real (Jo 1.14; Cl 2.17) e a Igreja seja chamada de corpo de Cristo (Ef 1.22), todos os termos usados com referência a órgãos do corpo humano são aplicados a Deus; faz-se menção ao seu rosto (Êx 33.20,23; Is 63.9; SI 16.11;Mt 18.10; Ap 22.4), aos seus olhos (SI 11.4; Hb 4.13), às suas pálpebras (SI 11.4), à sua menina dos olhos (Dt32.10; SI 17.8; Zc 2.3), aos seus ouvidos (SI 55.1), ao seu nariz (Dt 33.10), à sua boca (Dt 8.3), aos seus lábios (Jó 11.5), à sua língua (Is 30.27), ao seu pescoço (Jr 18.17), aos seus braços (Êx 15.16), às suas mãos (Nm 11.23), à sua mão direita (Êx 15.12), ao seu dedo (Êx 8.19), ao seu coração(Gn 6.6; Is63.15;c/Jr31.20;Lc 1.78), ao seu seio (SI 74.11), ao seu pé (Is 66.1). Além disso, toda emoção humana está presente em Deus, por exemplo, alegria (Is 62.5), regozijo (Is 65.19), dor (SI 78.40; Is 63.10), ira (Jr 7.18), amor, em todas as suas variações, por exemplo, compaixão, misericórdia, graça, longanimidade, etc; além dis¬so, zelo e ciúme (Dt 32.21), ódio (Dt 16.22), furor (SI 2.5), vingança (Dt 32.25). Além disso, ações humanas são atribuídas a Deus, como conhecer (Gn 18.21), tentar (SI 7.9), pensar (Gn 50.20), esquecer (1 Sm 1.11), lembrar-se (Gn 8.1; Êx 2.24), falar (Gn 2.16), chamar (Rm 4.17), comandar (Is 5.6), repreeender (SI 18.15; 104.7), responder (SI 3.4), testemunhar (Ml 2.14), descansar (Gn 2.2), trabalhar (Jo 5.17), ver (Gn 1.10), ouvir (Êx 2.24), chei¬rar (Gn 8.21), provar (Si 11.4,5), sentar-se (SI 9.7), levantar-se (SI 68.1), ir (Êx 34.9), vir (Êx 25.22), andar (Lv 26.12), descer (Gn 11.5), encontrar (Êx 3.18),visitar (Gn 21.1), passar (Êx 12.13), desamparar (Jz 6.13), escrever (Êx 34.1), selar (Jo 6.27), gravar (Is 49.16), julgar as 11.4), disciplinar (Dt 8.5), punir (Jó 5.17), sarar e pensar as feridas (SI 147.3, cf. 103.3; Dt 32.29), matar e deixar viver (Dt 32.29), enxugar as lágrimas (Is 25.8), eliminar (2Rs 21.13), lavar (SI 51.2), constituir (SI 2.6), limpar (SI 51.2), adornar (Ez 16.11), vestir (SI 132.16), coroar (SI 8.5), revestir de força (SI 18.32), destruir (Gn 6.7), assolar (Lv 26.31), matar (Gn 38.7), punir (Gn 12.17), julgar (SI 58.11), condenar (Jó 10.2), etc. Além disso, Deus é geralmente chamado por nomes que indicam certo ofício, profissão ou relação entre os homens. Por exemplo, ele é chamado de noivo (Is 61.10), esposo (Is 54.5), Pai (Dt 32.6), juiz, rei, legislador (Is 33.22), homem de guerra (Êx 15.3), herói (SI 78.65; Zc 3.17), arquiteto e edificador (Hb 11.10), agricultor (Jo 15.1), pastor (SI 23.1), médico (Êx 15.3), etc. Em relação com tudo isso, men¬ciona-se o seu trono, o estrado de seus pés, seu cajado, seu cetro, suas armas, seu arco, sua espada, seu escudo, sua carruagem, sua bandeira, seu livro, seu selo, seu tesouro, sua herança, etc. Para indicar o que Deus é para seus filhos, uma linguagem derivada da criação animada e inanímada é aplicada a ele. Ele é comparado a um leão (Is 31.4), a uma águia (Dt 32.11), a um cordeiro (Is 53.7), a uma galinha (Mt 23.37), ao sol (SI 84.11), à estrela da manhã (Ap 22.16), à luz (SI 27.1), a uma lâmpada (Ap 21.23), ao fogo (Hb 12.29), a uma fonte (SI 36.9), à fonte de águas vivas (Jr 2.13), ao alimento, ao pão, à água (Is 55.1; Jo 4.10; 6.35,55), à rocha (Dt 32.4), a um refúgio (SI 119.114), a uma torre (Pv 18.10), a uma sombra (SI 91.1; 121.5), a um escudo (SI 84.11), a um caminho (Jo 14.6), a um templo (Ap 21.22), etc.

As Escrituras recorrem a toda a criação, isto é, à natureza em suas várias esferas e especialmente ao homem, para contribuir para a descrição do conhecimento de Deus. O antropomorfismo parece ser ilimitado. Para nos dar uma idéia da majestade e do caráter exaltado de Deus, nomes são derivados de todo tipo de criatura, animada e inanimada, orgânica e inorgânica. Embora em si mesmo Deus seja anônimo, isto é, "sem nome", em sua revelação ele é polinônimo, isto é, possui muitos nomes.
Diante dessa evidência, é totalmente absurdo extrair um antropomorfismo empregado para fazer menção a Deus nas Escrituras e tentar usá-lo como a base da qual nós devemos revirá-lo para lá e para cá, revisá-lo, encaixá-lo na cama de Procrusto e usar esse novo deus, feito à nossa imagem, para resolver os problemas que nossas mentes fracas, por si mesmas, nunca conseguirão decifrar. Os defensores do teísmo relacionai falam quando deviam ficar em silêncio. Transcrevo aqui uma citação que Bavinck faz de Agostinho:

Todas as coisas podem ser ditas de Deus, mas nada apropriadamente pode ser dito dele. Nada é mais comum do que essa pobreza de expressão. Você pode procurar um nome adequado para ele, mas não poderá achá-lo.

"O SENHOR está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra [especialmente aqueles que gostariam de se "relacionar" com ele]" (Hb 2.20).

Fonte: http://www.josemarbessa.com/

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