Deus preza a santidade na criatura e a santidade é, em essência, prezar a Deus
Temos aqui duas coisas para as quais precisamos atentai" em particular.
(1) Em Deus, o amor por si mesmo e o amor do público não devem ser diferençados, como no caso do homem, pois o ser de Deus compreende todas as coisas. Uma vez que a sua existência é infinita, deve ser equivalente à existência universal. E, pelo mesmo motivo [o fato] de a afeição pública na criatura ser apropriada e bela, [segue-se que] a deferência de Deus por si mesmo também o é.
(2) Em Deus, o amor àquilo que é apropriado e decoroso não pode ser algo distinto do amor dele por si mesmo, pois o amor de Deus é o que constitui, fundamentalmente e acima de tudo, toda a santidade, a qual deve consistir, em essência, do amor dele por si mesmo. Logo, se a santidade de Deus consiste do seu amor por si mesmo, fica implícita uma aprovação da estima e do amor dos outros por ele, pois um ser que se ama, necessariamente, ama amar-se. Se a santidade em Deus consiste principalmente em amor por si mesmo, a santidade na criatura deve, principalmente, consistir em amar a ele. E, se Deus ama a santidade nele mesmo, deve amá-la na criatura.
De acordo com a visão dos filósofos mais recentes e renomados, a virtude se encontra na afeição pública ou na benevolência geral. E, se a essência da virtude está em princípio nisso, o amor à virtude é igualmente virtuoso, uma vez que fica subentendido ou tem origem nessa afeição pública ou benevolência mais ampla da mente. Porquanto, se um homem ama o público de fato, também ama, necessariamente, o amor ao público.
Quando Deus faz da virtude o seu fim, faz de si mesmo o seu fim, uma vez que a virtude é a benevolência para com o Ser, ou seja, Deus.
Portanto, pelo mesmo motivo, se a benevolência universal no sentido mais nobre é a mesma coisa que a benevolência para com o Ser Divino, o qual é, na verdade, o Ser Universal, segue-se que o amor à virtude, em si, é igualmente virtuoso, uma vez que fica subentendido ou tem origem no amor ao Ser Divino.53 Em decorrência disso, o amor de Deus pela virtude fica implícito no seu amor por si mesmo e é igualmente virtuoso, uma vez que tem origem no amor dele por si mesmo. Assim, a disposição virtuosa de Deus, manifesta no amor à santidade da criatura, deve ser considerada parte do amor dele por si mesmo. E, por conseguinte, sempre que ele faz da virtude o seu fim, faz de si mesmo o seu fim. Logo, uma vez que Deus é um Ser absolutamente abrangente, todas as suas perfeições morais - sua santidade, justiça, graça e benevolência - devem, de um modo ou de outro, ser consideradas parte de uma deferência suprema e infinita por si mesmo. Nesse caso, não há dificuldade em supor que é apropriado para Deus fazer de si mesmo o fim supremo e maior nas suas obras.
Observo aqui, a propósito, que se há quem insista que convém a Deus amar e se deleitar na virtude da sua criatura em razão dela mesma, de tal modo que não a ama por deferência a ele mesmo, essa afirmação contradiz a objeção anterior ao fato de Deus se deleitar na transmissão de si mesmo, ou seja, que, tendo em vista Deus ser perfeitamente independente e auto-suficiente, a sua felicidade e o seu prazer consistem em desfrutar de si mesmo. Assim, se a mesma pessoa levanta essas duas objeções, se mostra incoerente.
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