domingo, 17 de outubro de 2010

A Teologia Reformada é Centrada em Deus – R. C. Sproul


Na igreja moderna os pressupostos aceitos do passado nem sempre são conservados. Muitos têm rejeitado a divina inspiração da Escritura e com ela qualquer comprometimento com uma revelação unificada. Quando a pessoa se chega à Bíblia como sendo um documento puramente humano, ela não precisa harmonizar os ensinos de seus vários autores. Desse ponto de vista, a teologia sistemática geralmente é uma tentativa de explicar a Bíblia à luz e sob o controle de um sistema que se traz de fora para a Bíblia. Outras pessoas fogem de sistemas completamente e abraçam uma teologia que é autoconscientemente relativista e pluralista. Elas colocam autores bíblicos em oposição um ao outro, e vêem a própria Bíblia como uma coletânea de teologias conflitantes.

A teologia reformada clássica, por outro lado, vê a Bíblia como sendo a Palavra de Deus. Embora reconheça que as Escrituras foram obra de diferentes escritores em diferentes tempos, a inspiração divina do todo carrega a unidade e a coerência da verdade de Deus. Portanto, a busca reformada por uma teologia sistemática é um esforço para descobrir e definir o sistema de doutrina ensinado internamente pelas próprias Escrituras.

E porque a teologia é sistemática, toda doutrina da fé toca de alguma maneira cada outra doutrina. Por exemplo, como entendemos a pessoa de Cristo afeta como entendemos sua obra de redenção. Quando vemos Jesus meramente como um grande mestre humano, então somos inclinados a ver a missão dele como sendo primariamente de instrução ou influência moral. Quando o vemos como sendo o Filho de Deus encarnado, então isso emoldura nossa compreensão de sua missão. Inversamente, nosso entendimento da obra de Cristo também influencia nosso entendimento de sua pessoa.

Talvez nenhuma doutrina tenha maior relação com todas as outras doutrinas do que a doutrina de Deus. Como entendemos a natureza e o caráter de Deus influencia como entendemos a natureza do homem, que leva

a imagem de Deus; a natureza de Cristo, que trabalha para satisfazer o Pai; a natureza da salvação, que é efetuada por Deus; a natureza da ética, cujas normas se baseiam no caráter de Deus; e uma miríade de outras considerações teológicas, todas tendo a ver com nosso entendimento de Deus.

A teologia reformada é primeiramente e antes de tudo teocêntrica em vez de antropocêntrica. Isto é, é centrada em Deus em vez de centrada no homem. Esse caráter centrado em Deus não desmerece em nada o valor dos seres humanos. Ao contrário, estabelece o valor deles. A teologia reformada muitas vezes tem sido qualificada como tendo uma visão baixa da humanidade em razão de sua insistência no caráter "caído" e na corrupção radical da humanidade. Tenho argumentado que a teologia reformada tem a visão mais alta possível da humanidade. E por termos uma visão tão alta de Deus que nos importamos tanto com aquele criado à sua imagem. A teologia reformada leva o pecado a sério porque leva Deus a sério e porque leva as pessoas a sério. O pecado ofende a Deus e viola os seres humanos. Essas duas coisas são assuntos sérios.

A teologia reformada mantém uma visão alta do valor e da dignidade dos seres humanos. Difere radicalmente nesse ponto de todas as for¬mas de humanismo em que o humanismo atribui uma dignidade intrínseca ao homem, enquanto que a teologia reformada vê a dignidade do homem como sendo extrínseca. Quer dizer, a dignidade do homem não é inerente. Não existe em e de si mesmo. O que temos é uma dignidade derivada, dependente e recebida. Em e por nós mesmos somos do pó. Mas Deus nos designou um valor notável como criaturas feitas à sua imagem. Ele é a origem de nossa vida e nosso próprio ser. Ele nos pôs um manto de valor extremo.

Às vezes surge uma disputa com respeito ao alvo ou propósito do plano de redenção de Deus. As perguntas são apresentadas: será o alvo da redenção a manifestação da glória de Deus? Ou será a manifestação do valor da humanidade caída? E o alvo centrado no homem ou centrado em Deus? Se fôssemos forçados a escolher entre essas opções, teríamos de optar pela primazia da glória de Deus. A boa-nova é que não precisamos fazer uma "escolha de Sofia" aqui. No plano de redenção de Deus vemos tanto sua preocupação com o bem-estar de sua criação quanto com a manifestação da própria glória. A glória de Deus é manifesta em e por meio de sua obra de redenção. E até manifestada no castigo dos maus. Deus expõe com majestade surpreendente tanto sua graça inefável quanto seu reto juízo. Mesmo no juízo de Deus ele vindica o valor do homem ao castigar o mal que tanto estraga a vida humana.

Embora eu não seja apaixonado pelo uso de paradoxo no discurso teológico, não me esquivo de afirmar um agora. Ainda que não haja muito na doutrina de Deus reformada que se diferencie significativamente da doutrina confessada pelas outras comunhões cristãs, o aspecto mais distintivo da teologia reformada é a sua doutrina de Deus. Como pode essa afirmação ser verdadeira? Conquanto a doutrina reformada de Deus não seja tão diferente assim daquela de outros corpos confessionais, a maneira em que essa doutrina funciona na teologia reformada é singular. A teologia reformada aplica a doutrina de Deus inflexivelmente a todas as outras doutrinas, tornando-a o principal fator de controle em toda a teologia.

Por exemplo, eu nunca encontrei um cristão confesso que não estivesse pronto a afirmar que Deus é soberano. Soberania é um atributo divino confessado quase que universalmente no Cristianismo histórico. No entanto, quando pressionamos a doutrina de soberania divina em outras áreas de teologia, ela é freqüentemente enfraquecida ou destruída totalmente. Muitas vezes já ouvi dizer: "A soberania de Deus é limitada pela liberdade humana". Nessa declaração a soberania de Deus não é absoluta. E cerceada por um limite e esse limite é a liberdade humana.

A teologia reformada de fato insiste que uma verdadeira medida de liberdade tem sido designada ao homem pelo Criador. Mas essa liberdade não é absoluta e o homem não é autônomo. Nossa liberdade é sempre e em toda parte limitada pela soberania de Deus. Deus é livre e nós somos livres. Mas Deus é mais livre do que nós somos. Quando nossa liberdade esbarra na soberania de Deus, nossa liberdade precisa ceder. Dizer que a soberania de Deus é limitada pela liberdade do homem é fazer o homem soberano.

Na teologia reformada, se Deus não é soberano sobre toda a ordem criada, então ele não é soberano de modo nenhum. O termo soberania com muita facilidade se toma uma quimera. Se Deus não é soberano, então ele não é Deus. Pertence a Deus como Deus ser soberano. A maneira em que entendemos a soberania dele tem implicações radicais para nossa compreensão da doutrina de providência, eleição, justificação e uma multidão de outras doutrinas. O mesmo poderia ser dito com respeito a outros atributos de Deus, como sua santidade, onisciência e imutabilidade, para dar nome apenas a alguns.

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