Por Marcelo Quirino
Biblicamente, um líder de verdade não tem uma visão própria, ao contrário do que muitos pensam. Soa estranho isso e até meio absurdo, mas como diz o ilustre mestre de epistemologia psicológica, Hilton Japiassu, ‘as palavras são exatas para cada área do conhecimento’.
Palavras são plurissêmicas, têm vários sentidos. Dependendo de qual campo de conhecimento estejam, possuem este ou aquele sentido. Assim, “líderes de verdade não têm uma visão“ possui um sentido de leitura bem específico. Um sentido psicológico e por incrível que pareça, cristão. É óbvio que aqui nos restringimos à liderança que se pretende cristã.
A visão pode ser definida como um alvo, uma forma de caminhar, as companhias e os recursos utilizados para se chegar onde se pretende. Esse alvo pode ser de alcance de um estado grupal ou de objetivos de estado para o grupo.
É imprescindível deixar anotado que uma visão não deve ser um pacote pronto formulado nas experiências passadas de um pastor que padroniza modos de direção e de liderança em detrimento das especificidades dos grupos.
Para essa temática de especificidade dos grupos, leia o texto
Sustentar uma visão assim é como andar por aí com uma caixinha quadrada para enfiar pessoas redondas, triangulares, retangulares, etc. Acaba-se excluindo ao invés de incluir.
A tarefa que era de pastoreio vira de opressão. Sustenta-se autoritarismo em nome de Deus.
Essa opressão pode ser efetuada através do ‘deus me deu essa visão’, mas um modo de liderança que causa mais confusão do que direção. Mais reação do que ação, mais conflitos do que diálogo e mais discussão do que adesão. Destarte, confirma-se que é uma visão padronizada retirada de pensamentos humanos.
A visão divina considera o bem da igreja e principalmente é realizada nos formatos bíblicos.
Pode até gerar discussão por ser divina, dirão alguns, mas será neotestamentária e não veterotestamentária, onde o líder se põe na posição de sacerdote exclusivo entre o povo e Deus em detrimento do sacerdócio universal.
O sacerdócio universal é muito mais do que um simples acesso ao Pai. O acesso ao Pai traz implicações necessárias. É muito mais do que ter acesso à oração sem interveniência de um terceiro. É um atributo da igreja neotestamentária.
Com acesso ao pai, a igreja alcança status de autonomia perante suas escolhas e decisões eclesiásticas. A posição de homem interpondo-se entre Deus e o homem para trazer as visões se esvaiu na passagem do velho para o novo.
Líderes que possuem uma visão desconsideram o fator complexidade que possui a liderança e apenas demonstram que não entendem nada desse fenômeno.
Se tal visão for rígida e inflexível, são líderes localizados na leva de autoritários e cegos.
A cegueira advém justamente por se ter uma visão e se desconsiderar a complexidade que são as pessoas e a igreja neotestamentária. Líderes precisam entender que pessoas são complexas, paradoxais, divergentes e mutáveis. Torna-se mais complexo quando toda essa estabilidade encontra-se reunida num grupo. Contudo não é a complexidade que vai nos permitir sustentar o autoritarismo.
Temos que ressaltar que o Espírito não é uma dádiva de líderes, mas de toda igreja. Assim, o Espírito se revela em todos nós possibilitando o Sacerdócio Universal. É justamente essa prerrogativa que confere à igreja uma visão partilhada de seu caminhar e um planejamento conjunto de suas atividades.
Deve-se ressaltar que os princípios desse bem comum estão todos elencados na Bíblia e óbvio que nem passa perto de benção, promessa, conquista, vitória, catarse emocional, etc. O evangelho é negação da carne e elevação do espírito. É uma luta constante entre a santidade e alguns elementos da cultura.
Portanto, qualquer visão deve ser feita a partir da igreja, pela igreja, com a igreja e para o bem da igreja.
A igreja é o fim de toda visão dada por Deus. Visão compartilhada, porque a igreja é neotestamentária.
Líder não tem uma visão própria. Ele carreia uma visão embasada na Bíblia e formulada em conjunto com a igreja na qual se encontra. Contudo, o maior desafio está em ser profeta de acordo com I Co 14:3 e ao mesmo tempo um líder democrático.
Marcelo Quirino é Psicólogo Clínico (UFRJ)
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