Por J. I. Packer
Nossa primeira tarefa é discernir o que a alegria cristã realmente é, e o primeiro passo para isso é pôr em foco nossas idéias sobre a natureza da alegria. Muitos parecem tropeçar nesse ponto; por isso começo com algumas afirmações negativas para abrir o caminho.
Negação número um: A alegria não é igual a divertimento e jogos. Muitas pessoas "se divertem", como dizemos, buscando e encontrando prazer, sem achar alegria. Você pode até "se alegrar" no sentido de "se divertir" sem ficar alegre. A busca irrequieta, implacável do prazer (em sexo, drogas, bebida, mecanismos, entretenimento, viagens) é muito característica de nossa época, pelo menos onde há dinheiro, e indica claramente a falta de alegria. Os cristãos que conhecem a alegria do Senhor descobrem que com ela vem muito divertimento, mas alegria é uma coisa e divertimento é outra. Em contraste, Paulo na prisão não teve divertimento (parece seguro dizer isso), contudo teve muita alegria. Você pode ter alegria sem divertimento, assim como pode ter divertimento sem alegria. Não há nenhuma correlação imprescindível entre as duas coisas.
Negação número dois: Alegria não é a mesma coisa que jovialidade, isto é, não é o exuberante entusiasmo da pessoa que é sempre animadora da festa, aquela de quem se depende para contar piadas e de quem dizem que quando está presente não há chatice. Alguns cristãos são assim, outros não são e nunca serão, mas isso é questão de temperamento que nada tem que ver com alegria. Alguém poderá ter um temperamento entusiasta e ainda assim não ter alegria, e outro, a quem ninguém chamaria de jovial, poderá ter um temperamento calmo e quieto com um quê de melancólico, mas ter alegria de sobra. É bom isso, porque se a alegria dependesse de ter um temperamento jovial, a metade de meus leitores, eu inclusive, teríamos de concluir que seríamos desqualificados e barrados da alegria para sempre. Contudo, a verdade é que por mais que nossos temperamentos possam divergir, a vida de "alegria no Senhor" está disponível a todos nós.
Lembro-me de quando eu era um rapazinho cristão ter ouvido um venerável veterano de púlpito insistir, com ênfase, que os bons cristãos têm rostos de bule de chá em vez de bule de café. Os bules de chá costumam ser esféricos, e o rosto de bule de chá é redondo, com um sorriso de dez centímetros. Os bules de café, em comparação, são mais alongados e finos, e o rosto de bule de café é assim e parece sério e sombrio. Muito impressionado com isso, fiquei bastante deprimido quando, depois disso, me olhei no espelho! Mas refleti que o pregador estava falando era de estrutura óssea, e a estrutura óssea não será mudada enquanto Deus não nos der nossos novos corpos, e assim, logicamente, meu rosto de bule de café seria assim a vida toda. Será que isso significava que eu não poderia experimentar ou expressar alegria cristã? De maneira alguma! O ponto principal do pregador, que todo cristão deve irradiar a alegria, estava certo, mas seu argumento ia por um caminho errado. (Talvez o que o traía era seu próprio rosto bem redondinho de bule de chá, quem sabe?) De qualquer modo, o importante é que embora algumas pessoas nunca vão ser joviais e fazer brincadeiras como outras pessoas, tanto as exuberantes quanto as quietas poderão conhecer a alegria que é o dom de Deus.
Negação número três: Alegria não é o mesmo que despreocupação. Propagandas que retratam jovens adultos atraentes espraiando-se pelas Bahamas buscam nos persuadir de que tirar férias "deixando tudo para trás" é a receita da alegria. Muita gente concorda. Mas se é assim, logo que as férias terminam e você retorna às responsabilidades e encargos, e motivozinhos de irritação da vida — o local de trabalho deprimente, as companhias chatas, os desapontamentos repetidos — a alegria vai acabar porque você não estará mais despreocupado. Alegria, nessa ótica, só estará à nossa disposição durante nossas poucas semanas de férias anuais! É a idéia escapista da alegria; deveríamos agradecer o fato de que não é verdadeira.
Na noite em que foi traído e preso, talvez doze horas antes de sua crucificação, Jesus, que já dera indicação de saber o que o esperava, disse a seus discípulos: "Tenho vos dito estas coisas [i.e., que a obediência vos guardará em meu amor] para que o meu gozo esteja em vós, e o vosso gozo seja completo" (Jo 15.11). Essas palavras nos dizem que ele tinha alegria naquele momento, embora não estivesse despreocupado. Semelhantemente, Paulo na prisão, convivendo com a possibilidade de uma execução sumária, não estava despreocupado, mas tinha alegria abundante. Alegria apesar de pressão esmagadora foi realidade para Jesus e Paulo. Já foi realidade para dezenas de milhares de cristãos desde então, e poderá ser realidade para nós também.
O que é alegria? Já vimos o que ela não é. Então já passa da hora de dar uma definição positiva. Embora a alegria espiritual seja nosso interesse especial neste estudo, compreenderemos melhor o assunto se primeiro focalizarmos a alegria de forma genérica. Aqui está minha definição: a alegria é uma felicidade do coração, ligada a bons sentimentos de uma espécie ou outra. A palavra alegria cobre todo o espectro do que pode ser chamado o enlevo, desde a dor extrema do êxtase até o arrepio quieto do contentamento. O dicionário Webster a define assim: "Excitamento de sentimento aprazível causado pela aquisição ou expectativa do bem... deleite; exultação; hilaridade de espírito". Alegria é uma condição experimentada, mas é mais do que uma emoção; é, antes de tudo, um estado de espírito. A alegria, podemos dizer, é um estado do homem todo em que pensamento e emoção combinam para produzir total euforia. A preciosidade da alegria, o lugar integral da alegria na vida ideal, e o dó que inspira a falta de alegria, são aparentes pela própria definição.
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